Se a graça é resistível, a salvação é por obras?
Um argumento dado pelos calvinistas que é comumente usado na tentativa
de depor contra a graça resistível é que, se a graça não é irresistível, a
salvação seria por obras e o homem seria o seu próprio salvador. Eles costumam
frequentemente dizer que, se a graça é oferecida ao homem e este pode
recusá-la, o homem se torna o causador da própria salvação, e não Deus. Este
argumento por si só já começa estranho, pois, se a lógica funciona assim mesmo,
então até no calvinismo Deus não seria o salvador.
Se o fato de o homem aceitar a graça no arminianismo torna o homem
salvador de si mesmo, então por que o fato de o homem aceitar a graça no
calvinismo não torna o homem salvador de si mesmo? Ambos ensinam que a graça é
derramada, a diferença é que um crê que essa graça é resistível e o outro crê
que essa graça é irresistível. Se o fato de o homem aceitar a graça no
calvinismo faz de Deus o salvador, por que o fato de o homem aceitar a graça no
arminianismo não faz de Deus o salvador?
O calvinista poderá afirmar que é porque no arminianismo o homem pode
rejeitar a graça. Isso é verdade. Porém, o que isso muda? A coisa continua
igual para os que aceitam. Os que aceitam irresistivelmente são salvos no
calvinismo, e os que aceitam persuasivamente são salvos no arminianismo. Nada
muda para os que aceitam, exceto o fato de que um aceitou pelo uso da força,
enquanto o outro aceitou por persuasão. Como diz Olson, “um presente que é
rejeitado ainda é um presente, se for livremente recebido. Um presente recebido
livremente não é um presente menor do que um recebido sob coerção”[1].
Fazendo uma analogia, é como se um
pai comprasse um presente para dois filhos. Para um deles, chamado João, ele
compra o presente e força que aceite
o presente. Para outro deles, chamado Jacob, ele compra o presente e o oferece,
deixando escolhê-lo livremente. Somente um obtuso diria que no primeiro
caso o presenteador é o pai, e que no segundo caso o filho se presenteou a si
mesmo. Da mesma forma, ninguém em sã consciência diria que no primeiro caso o
presente foi um presente, enquanto no segundo caso o presente deixou de ser um
presente e se tornou um mérito.
Em ambos os casos, a graça continua sendo graça. Em ambos os casos, o
salvador permanece sendo Deus. A aceitação por parte do homem, seja ela
resistível ou irresistível, forçada ou não-forçada, não faz do homem salvador
de si mesmo, o que confronta a lógica e o bom senso. Por incrível que
pareça, esse argumento inútil dos calvinistas tem sido usado contra os
arminianos desde a época de Armínio. E Armínio também usou analogias para
mostrar o defeito das acusações calvinistas. Ele disse:
“Um homem rico concede, a um pobre e faminto mendigo, esmolas com as
quais ele será capaz de manter a sua família e a si mesmo. O fato de o mendigo
estender as suas mãos para receber as esmolas faz com que elas deixem de ser um
presente genuíno? Pode-se dizer com propriedade que ‘as esmolas dependem
parcialmente da liberalidade do Doador e parcialmente da liberdade do
favorecido’, embora este último não fosse receber as esmolas a menos que ele as
tivesse recebido estendendo sua mão?”[2]
Comentando este trecho, Olson diz:
“Usando-se a analogia de Armínio do rico e do mendigo, seria normal
dizer que a aceitação, por parte do mendigo, do dinheiro dado pelo homem rico
foi um fator decisivo na sobrevivência de sua família? Quem diria tal coisa?
Toda a atenção neste caso se concentraria no benfeitor e não no pobre receptor
da benfeitoria”[3]
Norman Geisler também emprega analogia semelhante para mostrar a
irracionalidade da acusação calvinista. Ele declara:
“O ato de receber um dom pela fé não é mais meritório do que é o de um
mendigo ao receber uma ajuda. E uma lógica estranha a que assevera que o
recebedor ganha crédito por receber uma dádiva, e não o doador! O ato de fé em
receber o dom incondicional de Deus não granjeia nenhum mérito para o
recebedor. Ao contrário, todo louvor e glória vão para o Doador de ‘toda boa
dádiva e todo dom perfeito’ (Tg 1.17)”[4]
Assim como seria estúpido dizer que um mendigo que estende as mãos para
receber uma esmola dada por graça a recebeu “por suas boas obras” ou que causou
a própria doação, assim também é ridículo alegar que o ato de aceitar a graça é
uma “boa obra” que “causa a salvação” e a torna “centrada no homem”. Como diz
Olson, “o verdadeiro arminianismo dá a Deus toda a glória e aos humanos,
nenhuma; a salvação é inteiramente de Deus mesmo se as pessoas devam escolher
livremente não resistir a ela. Mas mesmo essa habilidade de não resistir à
graça salvífica é de Deus; ela não faz parte do equipamento natural da
humanidade”[5].
Ele também acrescenta que “a decisão da fé não é causa meritória ou
eficaz da salvação; a única causa é Cristo e sua morte. A decisão da fé é
apenas a causa instrumental de salvação (como o ato de descontar um cheque), ao
fazer isso, o dom é ativado. Mas isso não acrescenta nada ao dom ou o torna
menos gratuito. Os arminianos acreditam que as pessoas são salvas apenas pela
morte de Cristo e não por suas próprias decisões ou ações”[6].
O próprio Olson também empregou diversas analogias para simplificar o
entendimento da salvação no prisma arminiano. Uma delas é a de um homem caído
em um poço. Ele diz:
“Uma ilustração seria um homem caindo inconsciente em um poço. Deus
chama o homem e lhe oferece ajuda. O homem recobra a consciência. Deus despeja
água no poço e encoraja o homem ferido a flutuar na água e sair do poço. Tudo o
que o homem tem a fazer é deixar que a água o eleve não lutando contra ela ou
não se prendendo ao fundo do poço. Essa é uma analogia (embora rudimentar e
simples) da graça preveniente. Como pode uma pessoa resgatada nestes moldes
vangloriar-se desse resgate? Tudo o que ela fez foi relaxar e deixar que a água
(a graça) a salvasse”[7]
Outra analogia que ele faz é a de um depósito de um cheque:
“Imagine um aluno que esteja passando fome e prestes a ser despejado de
seu dormitório por falta de dinheiro. Um professor bondoso dá a esse aluno um
cheque de R$ 1.000,00 – o suficiente para que ele pague seu aluguel e coloque
uma boa quantidade de comida em sua dispensa. Imagine, pensando mais além, que
o aluno que foi resgatado leve o cheque até o banco, assine e deposite o cheque
em sua conta (o que faz com que seu extrato fique com R$ 1.000,00 positivos).
Imagine também que o aluno então começa a andar pelo campus se gabando de que
ele mereceu receber a quantia de R$ 1.000,00. Qual seria a resposta das pessoas
caso soubessem a verdade acerca da situação? Eles acusariam o aluno de ser
miserável e ingrato. Mas suponha que o aluno diga: ‘Mas o fato de eu endossar o
cheque e o depositar em minha conta é o fator decisivo para que eu conseguisse
o dinheiro, então eu fiz uma boa obra que mereceu, ao menos, parte do dinheiro,
não mereci?’ Ele seria ridicularizado e possivelmente ainda seria ignorado
pelos demais por ser uma pessoa insensata”[8]
Todas essas analogias, e muitas outras que poderíamos passar aqui,
mostram o quão ridícula é a acusação calvinista de que no arminianismo a
salvação é centrada no homem, por obras ou pelo mérito humano. Em todas elas, o
Doador da graça permanece sendo Deus, e o fator e a causa da salvação permanece
sendo a graça divina. O homem se vangloriar por aceitar a graça é algo tão
obtuso quanto um mendigo se orgulhar de ter recebido uma esmola, como se o fato
de ele ter estendido as mãos para recebê-la implicasse em algum mérito pessoal
pelo qual ele possa se ostentar.
[1] OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora
Reflexão: 2013, p. 210.
[2] ARMINIUS, “The Apology or Defence of James Arminius, D.D.”, Works, v. 2, p. 52.
[3] OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora
Reflexão: 2013, p. 215.
[4] GEISLER, Norman. Eleitos, mas Livres: uma perspectiva equilibrada entre a eleição
divina e o livre-arbítrio. Editora Vida: 2001, p. 225.
[5] OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora
Reflexão: 2013, p. 202.
[6] OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora Reflexão:
2013, p. 290.
[7] OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Editora
Reflexão: 2013, p. 206.
[8] OLSON, Roger. Contra o Calvinismo. Editora Reflexão: 2013, p.
255-256.
Extraído do livro “Calvinismo X
Arminianismo: quem está com a razão?”,
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